12 de set. de 2007

A saga de seo Manoel e Pedro

A grande São Paulo, para seo Manoel, se resumia à meia dúzia de ruas, paralelas às poucas avenidas que cruzavam seu caminho rumo aos restritos lugares que freqüentava. Diariamente, rigorosamente, há mais de 25 anos, percorria o mesmo trajeto, chegava ao mesmo restaurante, entrava pelo mesmo corredor, escolhia a mesma mesa e ali saboreava seu almoço, em sua própria companhia.

A pequena mesa pouco iluminada encostada na parede, no canto direito do restaurante, era praticamente sua, afinal, há mais de 9 mil dias, compartilhava de sua presença, cheiro, anseio, humor...

Nas últimas três décadas, a capital paulistana havia mudado bastante. Novos povos migraram de seus estados de origem em busca de trabalho e oportunidades, muitas empresas e profissionais viram na promissora cidade infinitas possibilidades de crescimento, a arquitetura já não era a mesma com a pobreza rodeando a cidade, e o trânsito, parecia não adormecer, mas o pequeno restaurante freqüentado por seo Manoel, alheio a tudo isso, preservava as antigas características e ainda era administrado pela mesma família, para o conforto de um de seus clientes mais antigos.

No mesmo cenário, Pedro, um jovem do interior paulista, de aproximadamente 26 anos, recém formado em Publicidade e Propaganda, tirara o dia para um passeio na capital, a fim de conhecer alguns pontos históricos da grande cidade, como o Mercado Municipal, o Museu da Língua Portuguesa, além de famosos bairros e ruas paulistanas.

Após cumprir metade de seu trajeto, Pedro decide parar para o almoço e escolhe um pequeno, e aparentemente, tradicional restaurante em um conhecido bairro de São Paulo, a fim de provar as suculentas massas servidas pelas “mamas”. Ao entrar, caminha pelo corredor direito, onde parecia ter mais lugares vazios, e escolhe sua mesa. Olhando o cardápio, concentrado na decisão do melhor prato entre as deliciosas opções oferecidas, ouve uma voz, quase um grito de fúria:

- O que você está fazendo aqui?
Assustado, Pedro responde que estava escolhendo seu almoço.

Aparentando uns 65 anos, com um rosto marcado pela ação do tempo e expressivo pelas amarguras que carregava da vida, seo Manoel, arrogantemente responde que há quase 30 anos esta era sua mesa, pois era ele quem sentava nela todos os dias, neste mesmo horário, durante todos esses anos e ele [Pedro] não poderia estar ali.

O jovem tentava, em meio aos berros do rancoroso senhor, explicar que ele não se importava em sentar em outra mesa e estava ali, por não conhecer sua preferência. Mas nada adiantava, pois seo Manoel nem dava ouvidos.

Relatando a história, Pedro se mostrou surpreso como um senhorzinho com aparência tão frágil, que pelos anos de vida, poderia propagar sabedoria, demonstrava comportamento de uma pessoa insegura, arrogante e egoísta?!

É incrível como algumas pessoas traçam um único roteiro, acham que a vida deve seguir este script e não se permitem viver outras histórias, conhecer incríveis personagens e usufruir cenários diferentes. Apegam-se a uma rotina marcada por horários, lugares e lembranças e são intolerantes à possibilidade de mudança, novidade e conhecimento, passando por cima de qualquer pessoa, com um dos poucos sentimentos que lhes restam: amargura.

Por isso, “... eu prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo...”

3 comentários:

Pablo Tulio disse...

Sandra,

Simplesmente você colocou no papel, ou melhor, no blog, a sensação muito próxima do que realmente aconteceu. Enquanto lia, revivi aqueles momentos, momentos de dor e euforia, de luta e incertezas. Seo Manoel era até mais velho: devia ter uns 80! Eu acho que ele não vive mais, mas isso é achismo da minha parte. No final da história, o que me impressionou foi a sua sensibilidade em escutar essa história, entendê-la e senti-la. O que me faz acreditar que, quem sabe, possamos fazer "outros passeios" e cruzar com tantos outros seos Manoeis. Você me escutou. E eu gosto disso. Obrigado, de coração.

Anônimo disse...

A gente se acostuma...

Eu até entendo o seo Manoel, a gente se acostuma...se acostuma a fazer as mesmas coisas, e lutar pra ter sempre estas coisas e sofrer quando as perdemos...parece que o tempo e a idade faz com q nos acostumemos ainda mais...mas posso dizer q também agradeço seo Manoel...pq olhamos para ele e percebemos o qto é desconfortável não mudar e o quanto podemos nos sentir desconfortáveis com as nossas dificuldades de mudança. A vida nos pede mudança, por mais que isto por vezes nos doa...

Sandra Alves disse...

Pablito, querido amigo!
Eu é que tenho que te agradecer por me emprestar a sua história!
Tivemos um rápido bate-papo e entre todas as informações de sua viagem, o que mais me chamou a atenção foi essa história, fiquei com ela na cabeça...
Como percebeu, às vezes mudo os nomes dos "personagens", crio cenários e sensações, sempre inspiradas em lindas vivências, como a sua!
Que venham outras viagens, personagens e que a gente possa aprender sempre, com cada um deles!
Grande abraço!