- Tá cheio aqui hoje né?
Levanto os olhos irritada pra ver quem ousava interromper minha leitura.
- Acho que vai demorar pra chegar a nossa vez – O pequeno Lucas, no alto de seus seis anos, insistia na conversa e disputava a minha atenção com um delicioso livro de crônicas que eu acabara de comprar.
O hospital de convênios realmente estava lotado, parecia mais uma unidade de atendimento público, mas o que despertou minha atenção foi aquele pequeno garoto tentando levar um papo de adulto em um ambiente onde crianças na idade dele geralmente choram, gritam e fazem manha.
Desencanei da leitura, fechei o livro e em pouco tempo de bate-papo entendi sua necessidade de conversar com alguém. A cada 20 dias o garoto ia ao hospital tomar uma injeção de Benzetacil (um tipo de antibiótico utilizado para tratar infecções). Ele sofria de febre reumática e o tratamento duraria por mais quatro anos, até os dez anos de idade.
A danada da injeção é muito dolorida, dizem que chega a endurecer a perna de tanta dor, e o pequeno Lucas tentava esquecer o sofrimento conversando com as pessoas. O pai orientava o garoto a ficar mais calmo dessa vez. Ele comentou que o menino nunca chorava, mas ficava enfurecido logo após a aplicação, saia da sala pisando firme e muito nervoso.
Lucas fique tranquilo porque esses quatro anos passarão muito rápido, aliás, a vida passa muito rápido. Na verdade, ela voa. Ah, você vai ver só. Vai desejar desesperadamente completar seus 18 anos para tirar a carteira de habilitação; entrar nas baladas para maiores; começar sua faculdade; quem sabe até morar sozinho em uma outra cidade. Vai sentir-se independente, chegar em casa no horário que quiser e nem vai precisar dar satisfação pra mãe e pro pai.
Na fase dos 20 e poucos anos Lucas, vai chegar um momento em que você estará cansado de tanto estudar, vai querer trabalhar na sua área e para isso, almejará que a faculdade termine logo. O problema Lucas é que depois do final do curso, se você encontrar dificuldades para conquistar o emprego dos seus sonhos, vai desejar que o tempo passe mais devagar para conseguir entrar nos processos de trainee para recém-formado. É aí Lucas que você perceberá o quanto a vida é acelerada.
O que Lucas? Você também tem que fazer exame de sangue a cada seis meses para controlar a doença? Ah mas um semestre demora pra passar Lucas. Veja só, são seis meses, metade de um ano. É só quando começam as férias escolares, não demora pra chegar?
Eu sei, eu sei Lucas. Tá meio contraditório isso né. Uma hora o tempo passa rápido demais, outra ele demora pra passar. Mas sabe o que é Lucas, a vida é meio complicada mesmo. Quando você é criança quer logo ser adulto e, ao ser adulto, quer voltar a ser criança.
Vou tentar explicar. Seu pai não te prometeu dar um presente a cada 20 dias, quando você tomar a injeção? E mesmo não gostando de tomar o antibiótico você não deseja que esse dia chegue logo para ganhar o presente? Então, a vida é mais ou menos assim. A gente quer muito ser jovem, mas ser jovem experiente, bem sucedido profissionalmente, com muito conhecimento e bastante dinheiro pra poder viajar, conhecer novos lugares e culturas diferentes. Mas isso tudo a gente geralmente só conquista muitos anos depois, naquela fase em que não nos sentimos tão jovens assim. E olha lá Lucas, quando conquistamos.
Pois é menino, acho que estou complicando um pouco. Bom, deixe-me explicar de outra forma. Quando crescemos, queremos mais é curtir a vida, namorar bastante, beijar muito (mas isso é melhor você aprender mais tarde) e variar os relacionamentos, até que um dia cansamos dessa vida agitada, sem apegos e pobre de sentimentos e procuramos um compromisso sério. Desejamos muito encontrar um grande amor, daquele que te faz assistir aos filmes do Woody Allen e no final, nem lembrar do roteiro; dividir pipoca no cinema (o que acho inadmissível, isso sim é falta de privacidade); acampar nas montanhas e passar um fim de semana inteiro sem sair da barraca e, quando conquistamos algo quase inatingível nos dias de hoje, comum dos relacionamentos duradouros – a intimidade – achamos que perdemos a individualidade, repensamos nossas escolhas e voltamos à fase anterior. Ai que difícil né Lucas! Mas é assim mesmo. Infelizmente complicamos muito as coisas.
Hum chegou a sua hora né garoto, vai lá, boa sorte e se quiser, pode chorar sim, aproveite enquanto isso ainda é permitido e berre bastante, bote pra fora a sua raiva. O que Lucas? Seu pai adiantou o seu presente no sábado e hoje você vai querer outro? Aprendeu rápido hein garoto!
Levanto os olhos irritada pra ver quem ousava interromper minha leitura.
- Acho que vai demorar pra chegar a nossa vez – O pequeno Lucas, no alto de seus seis anos, insistia na conversa e disputava a minha atenção com um delicioso livro de crônicas que eu acabara de comprar.
O hospital de convênios realmente estava lotado, parecia mais uma unidade de atendimento público, mas o que despertou minha atenção foi aquele pequeno garoto tentando levar um papo de adulto em um ambiente onde crianças na idade dele geralmente choram, gritam e fazem manha.
Desencanei da leitura, fechei o livro e em pouco tempo de bate-papo entendi sua necessidade de conversar com alguém. A cada 20 dias o garoto ia ao hospital tomar uma injeção de Benzetacil (um tipo de antibiótico utilizado para tratar infecções). Ele sofria de febre reumática e o tratamento duraria por mais quatro anos, até os dez anos de idade.
A danada da injeção é muito dolorida, dizem que chega a endurecer a perna de tanta dor, e o pequeno Lucas tentava esquecer o sofrimento conversando com as pessoas. O pai orientava o garoto a ficar mais calmo dessa vez. Ele comentou que o menino nunca chorava, mas ficava enfurecido logo após a aplicação, saia da sala pisando firme e muito nervoso.
Lucas fique tranquilo porque esses quatro anos passarão muito rápido, aliás, a vida passa muito rápido. Na verdade, ela voa. Ah, você vai ver só. Vai desejar desesperadamente completar seus 18 anos para tirar a carteira de habilitação; entrar nas baladas para maiores; começar sua faculdade; quem sabe até morar sozinho em uma outra cidade. Vai sentir-se independente, chegar em casa no horário que quiser e nem vai precisar dar satisfação pra mãe e pro pai.
Na fase dos 20 e poucos anos Lucas, vai chegar um momento em que você estará cansado de tanto estudar, vai querer trabalhar na sua área e para isso, almejará que a faculdade termine logo. O problema Lucas é que depois do final do curso, se você encontrar dificuldades para conquistar o emprego dos seus sonhos, vai desejar que o tempo passe mais devagar para conseguir entrar nos processos de trainee para recém-formado. É aí Lucas que você perceberá o quanto a vida é acelerada.
O que Lucas? Você também tem que fazer exame de sangue a cada seis meses para controlar a doença? Ah mas um semestre demora pra passar Lucas. Veja só, são seis meses, metade de um ano. É só quando começam as férias escolares, não demora pra chegar?
Eu sei, eu sei Lucas. Tá meio contraditório isso né. Uma hora o tempo passa rápido demais, outra ele demora pra passar. Mas sabe o que é Lucas, a vida é meio complicada mesmo. Quando você é criança quer logo ser adulto e, ao ser adulto, quer voltar a ser criança.
Vou tentar explicar. Seu pai não te prometeu dar um presente a cada 20 dias, quando você tomar a injeção? E mesmo não gostando de tomar o antibiótico você não deseja que esse dia chegue logo para ganhar o presente? Então, a vida é mais ou menos assim. A gente quer muito ser jovem, mas ser jovem experiente, bem sucedido profissionalmente, com muito conhecimento e bastante dinheiro pra poder viajar, conhecer novos lugares e culturas diferentes. Mas isso tudo a gente geralmente só conquista muitos anos depois, naquela fase em que não nos sentimos tão jovens assim. E olha lá Lucas, quando conquistamos.
Pois é menino, acho que estou complicando um pouco. Bom, deixe-me explicar de outra forma. Quando crescemos, queremos mais é curtir a vida, namorar bastante, beijar muito (mas isso é melhor você aprender mais tarde) e variar os relacionamentos, até que um dia cansamos dessa vida agitada, sem apegos e pobre de sentimentos e procuramos um compromisso sério. Desejamos muito encontrar um grande amor, daquele que te faz assistir aos filmes do Woody Allen e no final, nem lembrar do roteiro; dividir pipoca no cinema (o que acho inadmissível, isso sim é falta de privacidade); acampar nas montanhas e passar um fim de semana inteiro sem sair da barraca e, quando conquistamos algo quase inatingível nos dias de hoje, comum dos relacionamentos duradouros – a intimidade – achamos que perdemos a individualidade, repensamos nossas escolhas e voltamos à fase anterior. Ai que difícil né Lucas! Mas é assim mesmo. Infelizmente complicamos muito as coisas.
Hum chegou a sua hora né garoto, vai lá, boa sorte e se quiser, pode chorar sim, aproveite enquanto isso ainda é permitido e berre bastante, bote pra fora a sua raiva. O que Lucas? Seu pai adiantou o seu presente no sábado e hoje você vai querer outro? Aprendeu rápido hein garoto!
5 comentários:
ahhh que lindesa isso aqui!
Lucas corajoso.. tomei essa injeção uma vez na vida.. e nunca mais ouso tomá-la novamente!rs A vida é complicada né... esse tempo é doido demais!
Aquele abraço.
.ju.
Eu gostei ainda mais deste !!!
San, a Martha Medeiros no livro Coisas da Vida tem uma crônica que ela escreveu para seu sobrinho João que me fez lembrar essa que você escreveu sobre/para o Lucas.
bjo
Ai quero ler esse livro!!!
Ah o Fá me emprestou outro livro dela, Topless.
Beijos
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