Era início de verão, a menina e sua irmã mais velha resolveram fazer exame médico para frequentar a piscina do Centro Comunitário do bairro. Chegando ao local, foram surpreendidas por uma fila de pessoas com a mesma intenção. A irmã logo encontrou suas amigas de escola e nem percebeu o tempo passar. Já a menina, naquele dia, estranhamente não queria falar com ninguém. Tudo bem que ela não era tão popular quanto a irmã. Sua vida era preenchida por seletivas amizades, contadas nos dedos de uma única mão. Mas aquele dia estava diferente. Ao seu redor, vários diálogos se cruzavam e ela, alheia a tudo, parecia viver em um mundo sem som.
A única sensação que despertou seus sentidos foi a puxada de sua irmã que a pegou pelo braço levando-a à sala ao lado, para o início do exame. Várias meninas aglomeravam-se aguardando o atendimento. O médico era ligeiro, talvez precisasse terminar logo os exames para atender algum caso no hospital, ou quem sabe tinha pacientes agendados em sua clínica, mas o fato era que ele nem olhava para o rosto das pessoas e levava menos de um minuto para concluir o exame.
Quando chegou a sua vez, o procedimento começou da mesma forma. Abria os dedos das mãos, depois os dedos dos pés, virava para mostrar a pele das costas e os cabelos e, ao final do exame, quando o médico ouviu seu coração, olhou pela primeira vez em seus olhos.
- Você tem algum problema cardíaco?
- Que eu saiba não.
- Já foi alguma vez ao cardiologista?
- Não.
- Então acho melhor você procurar um especialista o mais rápido possível. Detectei uma arritmia cardíaca, uma espécie de taquicardia. Você precisa ser tratada.
A notícia veio como uma bomba à família. A mãe chorava pelos cantos, sempre às escondidas, lembrando da tia Amélia que faleceu muito moça em razão de problemas no coração. A linda jovem que gostava de costurar e sempre sentava na primeira fila das missas aos domingos, tinha apenas 19 anos quando sentiu fortes dores no peito e faleceu em casa, sozinha, enquanto sua mãe corria na vizinhança em busca de socorro.
O pai da menina esforçava-se para não relacionar a suspeita de arritmia da filha com o triste fim de seu compadre Nelson, falecido há seis anos com complicações cardíacas, após contrair a doença de Chagas transmitida pelo inseto barbeiro. O falecido compadre nunca teve sorte na vida. Desde criança trabalhava na roça para ajudar a sustentar a família e aos 11 anos já era portador da doença. Há alguns anos, decidiu ter mais qualidade de vida no interior de São Paulo, fugindo das precárias condições de moradia e falta de saneamento básico do sertão de Goiás, porém, maltratado pela vida e consumido pela doença, não viveu mais que uma década na nova cidade. Pobre coitado!
A irmã era quem corria atrás de atendimento público para a menina. O posto de saúde do bairro onde moravam nem estava agendando consultas para esse semestre e a lista de espera, em caso de desistência, tinha mais adeptos que fila de cinema em dia de meia-entrada. Em casos como esse, vale a pena abusar da popularidade em defesa de uma causa maior. Foi o que fez a irmã, lembrou que a mãe de um amigo trabalhava no posto central e na semana seguinte conseguiu uma consulta com um Cardiologista, caso contrário, precisaria primeiro marcar com um Clínico Geral, aguardar alguns meses pelo atendimento, até que ele a encaminhasse para um Cardiologista, e aí, mais um chá de cadeira para a consulta com o especialista, sem falar na fila de espera para os exames clínicos.
Preocupada em agilizar o processo, a família reuniu dinheiro de parentes para pagar os exames. No retorno ao médico, com todos os documentos em mãos, a menina aguardava apreensiva pelo diagnóstico que poderia alterar todo o curso de sua vida. Enquanto folheava os relatórios dos exames, algumas páginas pareciam chamar a atenção do médico que, às vezes, pausava um pouco mais. Ao final do relatório o especialista olhou seriamente para a menina e questionou:
- O que você sente?
- Ah doutor nunca senti nada, mas de umas três semanas pra cá comecei a sentir meu coração acelerado, parece que vai sair pela boca. Minhas mãos estão sempre geladas. Perdi o apetite, não consigo comer nada e já emagreci uns três quilos. Também não consigo mais me concentrar nos estudos.
- Sei. Você tem namorado?
- Sim
- Vocês costumam brigar?
- Às vezes.
- Quando foi a última discussão?
- Na verdade, terminamos o namoro há três semanas.
- Pois é minha filha, seu coração funciona em perfeito estado, o que você tem é dor de amor, muito comum em jovenzinhas da sua idade.
E foi assim que a menina, no alto de seus 16 anos, sofreu pela primeira vez de uma dor que se repetiria em muitas outras fases de sua vida. Enquanto ela respirou, enquanto seu sangue correu em suas veias, enquanto sua vida fazia parte desse mundo, a menina, hora ou outra, era acamada por essa doce convalescença.
Ah o amor. Sempre ele.
A única sensação que despertou seus sentidos foi a puxada de sua irmã que a pegou pelo braço levando-a à sala ao lado, para o início do exame. Várias meninas aglomeravam-se aguardando o atendimento. O médico era ligeiro, talvez precisasse terminar logo os exames para atender algum caso no hospital, ou quem sabe tinha pacientes agendados em sua clínica, mas o fato era que ele nem olhava para o rosto das pessoas e levava menos de um minuto para concluir o exame.
Quando chegou a sua vez, o procedimento começou da mesma forma. Abria os dedos das mãos, depois os dedos dos pés, virava para mostrar a pele das costas e os cabelos e, ao final do exame, quando o médico ouviu seu coração, olhou pela primeira vez em seus olhos.
- Você tem algum problema cardíaco?
- Que eu saiba não.
- Já foi alguma vez ao cardiologista?
- Não.
- Então acho melhor você procurar um especialista o mais rápido possível. Detectei uma arritmia cardíaca, uma espécie de taquicardia. Você precisa ser tratada.
A notícia veio como uma bomba à família. A mãe chorava pelos cantos, sempre às escondidas, lembrando da tia Amélia que faleceu muito moça em razão de problemas no coração. A linda jovem que gostava de costurar e sempre sentava na primeira fila das missas aos domingos, tinha apenas 19 anos quando sentiu fortes dores no peito e faleceu em casa, sozinha, enquanto sua mãe corria na vizinhança em busca de socorro.
O pai da menina esforçava-se para não relacionar a suspeita de arritmia da filha com o triste fim de seu compadre Nelson, falecido há seis anos com complicações cardíacas, após contrair a doença de Chagas transmitida pelo inseto barbeiro. O falecido compadre nunca teve sorte na vida. Desde criança trabalhava na roça para ajudar a sustentar a família e aos 11 anos já era portador da doença. Há alguns anos, decidiu ter mais qualidade de vida no interior de São Paulo, fugindo das precárias condições de moradia e falta de saneamento básico do sertão de Goiás, porém, maltratado pela vida e consumido pela doença, não viveu mais que uma década na nova cidade. Pobre coitado!
A irmã era quem corria atrás de atendimento público para a menina. O posto de saúde do bairro onde moravam nem estava agendando consultas para esse semestre e a lista de espera, em caso de desistência, tinha mais adeptos que fila de cinema em dia de meia-entrada. Em casos como esse, vale a pena abusar da popularidade em defesa de uma causa maior. Foi o que fez a irmã, lembrou que a mãe de um amigo trabalhava no posto central e na semana seguinte conseguiu uma consulta com um Cardiologista, caso contrário, precisaria primeiro marcar com um Clínico Geral, aguardar alguns meses pelo atendimento, até que ele a encaminhasse para um Cardiologista, e aí, mais um chá de cadeira para a consulta com o especialista, sem falar na fila de espera para os exames clínicos.
Preocupada em agilizar o processo, a família reuniu dinheiro de parentes para pagar os exames. No retorno ao médico, com todos os documentos em mãos, a menina aguardava apreensiva pelo diagnóstico que poderia alterar todo o curso de sua vida. Enquanto folheava os relatórios dos exames, algumas páginas pareciam chamar a atenção do médico que, às vezes, pausava um pouco mais. Ao final do relatório o especialista olhou seriamente para a menina e questionou:
- O que você sente?
- Ah doutor nunca senti nada, mas de umas três semanas pra cá comecei a sentir meu coração acelerado, parece que vai sair pela boca. Minhas mãos estão sempre geladas. Perdi o apetite, não consigo comer nada e já emagreci uns três quilos. Também não consigo mais me concentrar nos estudos.
- Sei. Você tem namorado?
- Sim
- Vocês costumam brigar?
- Às vezes.
- Quando foi a última discussão?
- Na verdade, terminamos o namoro há três semanas.
- Pois é minha filha, seu coração funciona em perfeito estado, o que você tem é dor de amor, muito comum em jovenzinhas da sua idade.
E foi assim que a menina, no alto de seus 16 anos, sofreu pela primeira vez de uma dor que se repetiria em muitas outras fases de sua vida. Enquanto ela respirou, enquanto seu sangue correu em suas veias, enquanto sua vida fazia parte desse mundo, a menina, hora ou outra, era acamada por essa doce convalescença.
Ah o amor. Sempre ele.
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