3 de ago. de 2010
Roupas e histórias que não me servem mais
Nunca pensei que separar roupas para uma campanha social me fizesse refletir tanto sobre momentos da minha vida regados a insegurança, conquista, desilusão, ruptura e esperança. A cada peça separada, o resgate de uma história e de intensos sentimentos que marcaram várias fases da vida.
A blusa azul, com a descrição “Route 66”, guardada há 12 anos, ainda conserva as características de uma peça com pouco uso. Justa demais e curta o suficiente para ser abolida de um guarda roupa de uma pessoa com mais de 25 anos, certamente nunca mais seria usada por mim. Então, por que guardá-la por tanto tempo, quando, na verdade, mesmo na adolescência nunca a usei o suficiente?
Uma época de sentimentos ambíguos de conquista e infelicidade foi relembrada quando encontrei uma pequena saia jeans escondida no fundo da gaveta. Fiz questão de experimentá-la para me certificar de como estava e me sentia magra demais e cansada quando a comprei. Depois de um dia exaustivo de trabalho, fui ao shopping na ânsia de esquecer as terríveis provas diárias a que era submetida naquele ambiente de trabalho. Na época, conquistei excelente salário e uma vaga que qualquer profissional da minha área exibiria com orgulho. A realização profissional era acompanhada de uma tristeza profunda por conviver com pessoas emocionalmente doentes e de uma maldade impregnada nas menores atitudes.
Claro que a saia não me serve hoje, quando na verdade, nunca coube em minha vida. Nunca fui uma pessoa consumista, de afogar as mágoas em compras de roupas e sapatos, mas naquele dia fugi para o shopping. Provavelmente, o que eu queria era gastar aquele dinheiro que me trazia tanto desgosto e infelicidade. Uma forma de me punir por aceitar, complacente, aquela situação tão distante de minha personalidade e sonho de vida.
A camisa branca que usei naquela entrevista de emprego também foi para a campanha. Aquela camisa que escondia a minha tatuagem e transmitia a imagem de uma profissional séria, competente, com credibilidade e segurança não é mais necessária em minha vida. Mesmo porque, quando assumi aquela vaga, naquela grande companhia, após passar por um criterioso processo seletivo, percebi que muitos outros profissionais ali, não apresentavam essas características. Eram acuados, medrosos e se submetiam a situações ridículas e injustas...
O vestido preto, justo, com uma enorme fenda na lateral foi adquirido há seis anos. Admito, envergonhada, que ele foi usado uma vez. Sabe aquelas atitudes que a gente tem e depois pensa “onde eu estava com a cabeça?”. Não sei como tive a ousadia de sair com ele de casa, mas quem não conserva uma mancha no passado? Racionalizando sobre essa compra, hoje tenho consciência de que ele foi escolhido para suprir uma necessidade de me sentir feminina e sensual, em uma época cercada por inseguranças.
Após longa análise, o vestido preto acabou voltando para o armário com o compromisso de passar por reforma. A fenda será fechada e o comprimento diminuído. O decote ficará bem menor e a alça terá um novo formato. Enfim, a partir de agora, o vestido preto terá a minha cara e sairei com ele pelas ruas, como uma mulher segura, que sabe o que quer e tem certeza do que não quer.
As duas últimas peças vindas daquele grande amor também foram escolhidas. Há muito tempo não eram usadas e suas histórias estavam trancadas e empoeiradas, lá no fundo do baú. Quando vieram à tona, à luz do dia, as peças trouxeram lembranças de uma história bonita, com o final triste e doloroso das separações. Mesmo recordando as dores e as lágrimas causadas pela ruptura de um amor, tive a certeza de uma coisa: amamos um amor. Depois amamos outro amor. E podemos amar novamente. Cada pessoa tem sua história, seu momento e ocupa um sentimento em nossa vida.
Muitas peças foram separadas para que outras pessoas possam aproveitá-las e viver suas próprias histórias. Mas uma não pôde ser doada. Não por seu valor material, porque não sou apegada a essas coisas, mas pelo significado. Aquela saia hippie, leve, colorida e singela, como a vida que sempre sonhei. Aquela saia que sempre me deu uma sensação de liberdade, de uma vida simples e feliz. A sensação que vivo e persigo, de fazer o que gosto, sempre com paixão, de me vestir de forma espontânea, de estar entre pessoas que admiro e de acreditar que as coisas podem ser diferentes. A sensação de que cada ser humano é único e pode fazer a diferença e que podemos manter nossa originalidade, escolhendo o próprio caminho. Sensações assim sempre são cutucadas quando encontro aquele pedaço de pano velho, amassado e ralo, de tanto uso.
Oxigênio me faltou quando encontrei escondida atrás de minhas calças jeans aquela camisa velha, que ele vestia sempre que estava em casa. Guardei para nunca mais esquecer seu cheiro, na esperança de armazená-lo em meu armário, eternamente. Lembro-me perfeitamente sua cara de espanto quando apareci, toda empolgada, com uma saia jeans nova que acabara de comprar. Imediatamente me reprimiu dizendo que eu tinha tantas saias novas, por que sair de casa com uma velha e rasgada? Ah se meu pai soubesse que gastei minhas economias na compra daquela saia “velha e rasgada”...
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2 comentários:
Gostei muito do seu blog. Me identifiquei bastante com a leitura deste post e fiquei sorrindo sozinha pensando nas roupas e histórias que tb não "me" servem mais.
Um abraço
Que texto lindo, vc não tinha comentado.Achei doce, singelo e tem tanto de vc...quase sem reservas.Sigo lendo...
Amanda
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